O Globo RIO – Num passeio pela rua, não é raro cruzar com alguém que saiba exatamente quantos passos deu até aquele momento do dia, quantos mililitros de água consumiu ou quais alimentos ingeriu num almoço de duas semanas atrás. Se há alguns anos era impensável saber tudo isso, hoje essas informações podem ser armazenadas e acessadas a partir de um clique, em aplicativos de saúde no celular. Vale tudo: app de corrida de rua; de acompanhamento do ciclo menstrual; de exercícios de yoga; contador de calorias; para lembrar de tomar remédios na hora certa, entre muitos outros. O sucesso é tanto que um estudo publicado este mês pela Escola de Medicina da Universidade de Nova York constata que o “usuário típico” de apps para monitorar o sono — ferramenta que já virou febre nos EUA — tem entre 16 e 25 aplicativos relacionados à saúde em seu smartphone.
Na visão dos médicos, o uso desses apps pode ser um grande trunfo para, principalmente, ajudar a população a sair do sedentarismo e se alimentar de forma mais saudável. No entanto, como tudo na vida, os especialistas alertam para a importância da dose: o uso excessivo abre margem para uma “hipocondria high-tech”.
O cardiologista Claudio Gil, especialista em medicina do exercício, indica dois parâmetros para ajudar os usuários a saber se eles estão ou não nesse caminho:
— A primeira dica é: não gaste tempo demais com apps. Se você dedica mais tempo administrando os aplicativos do que se exercitando ou se alimentando bem, existe um excesso. E, se a pessoa tiver dois ou três para o mesmo fim, por exemplo dois de corrida ou dois para estimular a beber água, provavelmente estará perdendo tempo — aconselha ele.
O médico destaca que muitos aplicativos usam modelos matemáticos para determinar, a partir da altura e do peso da pessoa, qual deve ser a frequência cardíaca dela, como deve estar o pulso e o quanto ela deve emagrecer. Ele recomenda que não se leve esses dados ao pé da letra, porque esses cálculos não consideram as individualidades de cada um.
— Toda tecnologia tem prós e contras — diz o cardiologista. — A pessoa pode achar que beber água, por exemplo, nunca é demais e que qualquer um pode usar um app que trace metas para o consumo de água. Mas nem água é bom para todo mundo. Quem tem doença renal ou toma algum medicamento que retenha líquido vai se prejudicar se aumentar muito a ingestão de água. Então, o mais importante é a pessoa encontrar o aplicativo que mais se adeque ao perfil e aos objetivos dela. Para isso, é bom pedir orientação de um profissional. Até porque alguns apps são melhores que outros, mais confiáveis.
IMPULSIONADOS PELA CORRIDA DE RUA
Os cariocas Jorge Avelino, de 54 anos, e Mayra Rizzi, de 30, fazem parte da turma adepta da “medicina 2.0″: ele mantém dez aplicativos de saúde em seu celular; ela, 13.
— Dá certo trabalho alimentar todos aplicativos: acionar o dispositivo cada vez que bebo água, escrever o que eu como sempre após a refeição para não esquecer. Mas eu sou bem disciplinado, então não é um sacrifício. Estou investindo agora para ganhar mais tempo no futuro — afirma Avelino, que começou a se preocupar mais com sua saúde aos 50 anos de idade, quando seu colesterol chegou a 248 e ele levou um pito de sua médica para passar a se exercitar mais.
O primeiro app que baixou foi um de corrida, que marca os quilômetros percorridos e permite ao usuário comparar seu desempenho com amigos. Depois disso, vieram aplicativos de ciclismo, meditação e até um que analisa se o nível de água no corpo está suficiente para a hidratação.
— Eu sempre me interessei por tecnologia, mas vejo uma mudança comportamental acontecendo. Essas novas plataformas mudaram o modo como lidamos com a nossa saúde. Se eu tivesse que montar uma planilha manual com todas essas informações, seria impensável — compara ele, que nos últimos quatro anos emagreceu 10 kg e hoje mantém o colesterol em 120.
Mayra ressalta que, mesmo observando de perto vários aspectos de sua saúde, ela não substitui as consultas médicas:
— Os aplicativos são mais uma ferramenta durante a consulta: eu mostro para o médico o que eu tenho registrado nos apps, e ele me ajuda a avaliar. Uma vez me assustei com o fato de o meu batimento cardíaco ter chegado a 200, mas o médico me tranquilizou dizendo que, a partir dos meus outros dados e pelo fato de isso ter acontecido durante uma corrida, era normal. Não dá para se guiar somente pelos apps.
Para a nutricionista Tatiana Borga, quando se trata de apps de alimentação, é melhor optar por aqueles que funcionam como um diário, mostrando o que e quanto a pessoa anda comendo, e não um simples contador de calorias.
— Saber o que se come é interessante para controle, mas não se deve confiar na quantidade de calorias que cada alimento representa porque vários apps usam fórmulas erradas ou generalistas para contabilizar isso — afirma ela.
(…) Para o cardiologista Fabrício Braga, diretor do Laboratório de Performance Humana da Casa de Saúde São José, no Rio, está cada vez mais próximo um cenário em que as pessoas poderão acessar todo o seu histórico de saúde em seus aparelhos móveis.
— Ainda não existe um sistema de monitoramento tão completo assim, mas estamos caminhando para isso. Do ponto de vista médico, vejo com bons olhos. Pode ser útil para o profissional de saúde acessar informações do paciente. Sabemos, por exemplo, que um indivíduo não pode, de jeito nenhum, dar menos de 5 mil passos por dia. E é fortemente estimulado a dar 10 mil. Antes dos aplicativos, não tínhamos ideia de como medir isso — destaca ele.
‘GAMIFICAÇÃO’ AJUDA NO ENGAJAMENTO
Braga avalia que parte do sucesso desses apps deve-se à “gamificação” deles. Muitos se parecem com jogos, nos quais o usuário ganha bônus ou estrelinhas quando atinge as metas.
— A falta de motivação sempre foi o calcanhar de aquiles da prática de atividade física. Esses apps resolvem isso, imitando “games” — diz ele.